quarta-feira, 13 de junho de 2012

"O Pequeno Príncipe" e a Rosa.

Sempre ouvi dizerem por ai que "O Pequeno Principe" é uma história que te acompanha ao longo da vida, que a cada leitura uma nova interpretação é feita, um novo ponto se revela, uma nosa sensação se tem. Eu comecei a perceber isso ha algum tempo, com a história da raposa, e hoje outro trecho me tocou. Deixo:

"-Conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete, como tu: 'Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!' E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem, é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!

O príncipe estava agora pálido de cólera.

- Há milhões e milhões de anos que as flores produzem espinhos. Há milhões e milhões de anos que, apesar disso, os carneiros as comem. E não será importante procurar saber por que elas perdem tanto tempo produzindo espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor único no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode destruir num só golpe, sem saber o que faz, isso não tem importância?

Corou um pouco, e continuou em seguida:

- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta pra fazê-lo feliz quando a contempla. Ele pensa: 'Minha flor está lá, em algum lugar..." Mas se o carneiro come a flor, para ele é como se todas as estrelas repentinamente se apagassem! E isso não tem importância!

Não conseguiu dizer mais nada. Imediatamente se pôs a soluçar. A noite caíra. Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar! Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe diiza:

- A flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma focinheira para o carneiro... Uma cerca para a tua flor... Eu...

Eu não sabia o que dizer. Sentia-me envergonhado. Não sabia como consolá-lo, como me aproximar dele... é tão misterioso o país das lágrimas!

VIII

Logo aprendi a conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera, no planeta do pequeno principe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam espaço nem incomodavam ninguém. Apareciam pela manhã na relva, e à tarde já murchavam. Mas aquela brotara um dia de uma semente trazida não se sabe de onde, e principezinho resolvera vigiar de perto o pequeno broto, que era tão diferente dos outros. Podia ser uma nova espécie de baobá.

Mas o arbusto logo parou de crescer, e na sua extremidade começou então a se formar uma flor. O pequeno príncipe, que assistia ao surgimento de um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma aparição miraculosa, mas a flor parecia que nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento. Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria aparecer no esplendor da sua beleza. Ah, sim! Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara alguns dias. E eis que, numa manhã, justamente à hora do sol nascer, ela se mostrou.

E ela, que se preparara com tanto esmero, disse, bocejando:

- Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...

O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:

- Como és bonita!
- É veradde - respondeu a flor docemente. - E nasci ao mesmo tempo que o sol...

O pequeno príncipe percebeu logo que a flor não era modesta. Mas ela era tão envolvente!

- Creio que é hora do café da manhã - acrescentou ela. - Tu poderias cuidar de mim...

E o principezinho, atordoado, tendo ido buscar um regador com água fresca, molhou a flor.

Assim, ela logo começou a atormentá-lo com sua doentia vaidade. Um dia, por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:

- Os tigres, eles podem aparecer com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta - retrucara o principezinho. - Além disso, tigres não comem ervas.
- Não sou uma erva - respondera a flor suavamente.
- Perdoa-me...
- Não tenho medo dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias por acaso um para-vento?

'Horror das correntes de ar... Isso não é bom para uma planta', pensara o pequeno príncipe. 'É bem complicada essa flor...'

- À noite me colocarás sob uma redoma de vidro. Faz muito frio no teu planeta. Não é nada confortável. De onde eu venho...

De repente, calou-se. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Encabulada por ter sido surpreendida em uma mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes e, para fazê-lo sentir-se culpado, pediu:

- E o para-vento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...

Então ela forçou a tosse para causar-lhe remorso.

Assim, o principezinho, apesar da sinceridade do seu amor, logo começara a duvidar dela. Levara a sério palavras sem importância, e isto o fez sentir-se muito infeliz.

- Não devia tê-la escutado - confessou-me um dia -, não se deve nunca escutar as flores. Basta admirá-las, sentir seu aroma. A minha perfumava todo o planeta, mas eu não sabia como desfrutá-la. Aquela história das garras que tanto me irritara, devia ter me enternecido...

Confessou-me ainda:

- Não soube compreender coisa alguma! Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras. Ela exalava perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la abandonado. Deveria ter percebido sua ternura por trás daquelas tolas mentiras. As flores são tão contraditórias! Mas eu era jovem demais para saber amá-la."

(SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe.48.ed. Rio de Janeiro: Agir, 2009)

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